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Sabe aquela pessoa “desligada”, que não presta atenção em nada, não consegue se concentrar, está sempre “no mundo da lua”? Ou aquele amigo agitado, que não pára quieto na cadeira? Todo mundo conhece alguém assim. Pode ser que algumas dessas pessoas tenha um transtorno muito comum e que pode causar diversos problemas. Muita gente tem e não sabe…

Você já deve ter se deparado com crianças que não conseguem parar quietas, estão o tempo todo “aprontando”; “a mil”, como se estivessem “ligadas na tomada”? Muitas vezes essas crianças parecem não ouvir quando chamadas, e quando “ouvem” parecem ter muita dificuldade em se organizar para fazer o que lhes é pedido. Frequentemente têm dificuldades em aguardar sua vez nas atividades, interrompem os outros, mudam de assunto de forma recorrente e agem impulsivamente, chegando a apresentar comportamentos agressivos.

Na escola essas crianças apresentam, frequentemente, dificuldades no aprendizado, assim como no relacionamento com seus colegas, levando tanto a repetências quando à evasão escolar, a expulsões e a sentimentos de menos valia e baixa autoestima.

Em geral, a primeira reação é pensar que são crianças mal-educadas, com pais ausentes e com dificuldade para impor limites. É possível que essa primeira impressão esteja correta, mas também é possível que elas apresentem algum problema médico, entre eles o TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

Atualmente existe uma série de fatores e pesquisas que tentam compreender as causas, a origem, os sintomas e o tratamento. Respirem fundo, pois esse assunto não é nada fácil!

O TDAH é um transtorno neuropsiquiátrico frequente que acomete crianças, adolescentes e adultos, independentemente de país de origem, nível sócio-econômico, raça ou religião.

O termo transtorno vem do verbo transtornar — perturbação, mudança, alteração. Baseado na definição da Organização Mundial de Saúde – OMS, entendem-se como transtornos as condições caracterizadas por alterações do modo de pensar e/ou do humor (emoções), e/ou por alterações do comportamento associadas à angústia expressiva e/ou deterioração do funcionamento psíquico global.

Para serem categorizadas como transtornos, é preciso que essas condições sejam persistentes ou recorrentes e que resultem em certa deterioração ou perturbação do funcionamento pessoal, em uma ou mais esferas da vida, como também sofrimento e interferência com funções pessoais.

O transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é um problema de saúde importante, cujas implicações variam desde dificuldades no desempenho escolar até problemas psicológicos e sociais. O TDAH persiste na vida adulta, caso não seja diagnosticado e tratado na infância, em cerca de 70% dos casos. Isso representa quase 4 milhões de adultos no Brasil com esse transtorno!

Mas o TDAH não é um transtorno de criança? Não. É comum adultos apresentarem os sintomas do transtorno. O que geralmente acontece é a pessoa ter TDAH desde a infância e ela nunca ter sido diagnosticado. Em adultos, o TDAH é provavelmente uma continuação de um problema da infância não diagnosticado.

A causa do TDAH, para alguns autores, não é específica. Incluem-se causas pré-natais (como uso do álcool na gestação, prematuridade), perinatais (anóxia – falta de oxigenação no cérebro – ou hemorragia intracraniana, etc.), pós-natais (sequelas de doenças no início da infância, como encefalites, meningites, traumatismo crânio-encefálico, etc.), bem como fatores genéticos e ambientais.

Sabe-se atualmente que o fator genético tem grande influência no surgimento do TDAH. Por isso, é bem possível que um dos pais ou os dois digam que eram parecidos com o filho na infância. Ainda não se sabe quais genes seriam responsáveis pela vulnerabilidade para o TDAH, apesar de os mais estudados até o momento serem os genes dos sistemas da dopamina e da noradrenalina, neurotransmissores responsáveis pela transmissão das informações entre os neurônios.

O metilfenidato (conhecido comercialmente por Ritalina) é um medicamento muito utilizado para regular o desequilíbrio da dopamina e da noradrenalina e também para reduzir a desatenção, a impulsividade e a hiperatividade. Por ser uma medicação psicoestimulante, seu uso provocaria uma maior produção e reaproveitamento de neurotransmissores. Entretanto, tem sido questionado se os efeitos colaterais das medicações não seriam mais prejudiciais que os próprios sintomas: se existe ou não o risco de os pacientes ficarem “dependentes” ou se as medicações poderiam causar mudanças ou danos permanentes ao cérebro, já que o metilfenidato, por exemplo, faz com que essas crianças fiquem “boazinhas”, “obedientes” e “sem espontaneidade ou criatividade”. Além desse medicamento, existem outros que também são utilizados, mas dependerá de cada caso, andamento do tratamento, prejuízo e intensidade dos sintomas. Há casos, por exemplo, que uma intervenção cognitiva/comportamental já é suficiente para a melhora do quadro.

Os sintomas têm início antes dos sete anos de idade (ou seja, desde cedo) e são: desatenção, impulsividade e hiperatividade. Uma criança ou um adulto hiperativo pode estar em qualquer lugar batendo os pés, sentando e levantando a todo o momento, cantando sem parar, assobiando em horas impróprias, distraindo-se com facilidade, impaciente em filas, não se mantém sentado durante as refeições, não se concentra em um canal de televisão mudando sempre, faz movimentos desnecessários com o corpo, possui gestos bruscos, tem sono agitado e perde-se no tempo.

Vale ressaltar que existem três grupos distintos do TDAH: TDAH tipo combinado (desatento e hiperativo), TDAH tipo predominantemente desatento (sintomas de desatenção evidentes) e TDAH tipo predominantemente hiperativo (sintomas da hiperatividade e impulsividades mais evidentes).

O diagnóstico baseia-se no relato de múltiplos informantes — em especial pais e professores —, uma vez que os sintomas devem estar presentes em pelo menos dois ambientes de modo clinicamente significativo.

Principais sintomas

Desatenção:

  • dificuldade em prestar atenção a detalhes ou errar por descuido em atividades escolares e profissionais;
  • dificuldade em manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas;
  • parecer não escutar quando lhe dirigem a palavra;
  • não seguir instruções e não terminar tarefas escolares, domésticas ou deveres profissionais;
  • dificuldade em organizar tarefas e atividades;
  • evitar ou relutar em envolver-se em tarefas que exijam esforço mental constante;
  • perder coisas necessárias para tarefas ou atividades;
  • ser facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa;
  • apresentar esquecimentos em atividades diárias;
  • algumas crianças podem apresentar tempo cognitivo lento – mais lentas, passivas, hipoativas, sonhadoras, preguiçosas, pasmadas, confusas e nas “nuvens”.

 

Hiperatividade:

  • agitar as mãos, pés ou se mexer na cadeira;
  • abandonar a cadeira da sala de aula ou em outras situações nas quais se espera que permaneça sentando;
  • correr ou escalar em demasia em situações nas quais isto é inapropriado;
  • dificuldade em brincar ou envolver-se silenciosamente em atividade de lazer;
  • estar frequentemente “a mil” ou mais vezes agir como se estivesse “todo vapor”;
  • falar em demasia ou agitação motora;
  • agitados tanto durante o dia quanto durante o sono.

 

Impulsividade:

  • incapacidade de retardar a resposta – respondem de forma rápida a situações sem esperar;
  • frequentemente dar respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido concluídas;
  • apresentar constante dificuldade em esperar sua vez;
  • frequentemente interromper ou se meter em assuntos de outros.

 

O TDAH é compreendido hoje em dia como um transtorno que compromete principalmente o funcionamento da região frontal do cérebro, responsável, entre outras atividades, pelas funções executivas. Elas se referem a importantes funcionamentos: elaboração de raciocínio abstrato, alternância de tarefas, planejamento e organização das atividades, elaboração de objetivos, geração de hipóteses, fluência e memória operacional, resolução de problemas, formação de conceitos, inibição de comportamentos, automonitoramento, iniciativa, autocontrole, flexibilidade mental, controle de atenção, manutenção de esforço sustentado, antecipação, regulação de comportamentos e criatividade.

Há evidencias de que crianças com TDAH podem apresentar dificuldades para entender o que lhe é dito e para se expressarem. Quando a criança não consegue compreender adequadamente os outros e o que esperam dela e/ou não consegue expressar de forma clara suas necessidades ou desejos, os relacionamentos sociais, a sua capacidade de controle dos comportamentos e aprendizagem podem ficar afetados. Estudos demonstram também dificuldades na coordenação motora refinada, que afetam principalmente a escrita — tanto no aspecto do tempo que levam para escrever quanto na qualidade da letra. Estas funções têm papel cada vez mais importante à medida que o indivíduo amadurece e passa a ser exigido em sua capacidade de autonomia para tomar decisões e resolver problemas do cotidiano.

Principais consequências do TDAH:

  • Baixo desempenho escolar;
  • Dificuldades de relacionamento;
  • Baixa autoestima;
  • Interferência no desenvolvimento educacional e social;
  • Predisposição a distúrbios psiquiátricos;

 

Crianças com TDAH, na idade escolar, apresentam maior probabilidade a repetência, evasão escolar, baixo rendimento acadêmico e dificuldades emocionais e de relacionamento.

Muitos pais demoram muito para procurar ajuda ou não aceitam um diagnóstico de hiperativo, por achar que é coisa da idade, que toda criança é agitada mesmo, que isso irá passar. Porém, quando o problema demora a ser diagnosticado, a partir da puberdade, o indivíduo pode se envolver com drogas, álcool, praticar agressões, a fim de tentar superar suas dificuldades em adaptar-se à vida social, e, em alguns casos, pode cometer o suicídio.

O diagnóstico é clínico. Não existe, até o momento, nenhum exame ou teste que possa sozinho dar um diagnóstico exato. A abordagem diagnóstica deve ser multidisciplinar (neurologista, fonoaudiólogo, psicopedagogo, psicólogo, psiquiatra e neuropsicólogo). E a avaliação diagnóstica deve envolver os pais, a criança, a escola (professores) e profissionais da área de saúde.

O primeiro passo, no âmbito das intervenções psicossociais, deve ser educacional, ou seja, dar informações claras e precisas à família a respeito do transtorno. Muitas vezes, é preciso um programa de treinamento para os pais, a fim de que aprendam a manejar os sintomas dos filhos. É importante que eles conheçam as melhores estratégias para o auxílio de seus filhos na organização e no planejamento das atividades.

As intervenções no âmbito escolar também são necessárias. Estas devem ter como foco o desempenho escolar.

 

Como não saber se um diagnóstico não é invenção dos profissionais ou apenas consequência da correria da vida moderna ou da quantidade de estímulos oferecidos às pessoas em um mundo globalizado?

Alguns dos sintomas do TDAH são comuns no dia-a-dia de várias pessoas. Muitas pessoas, ao lerem esses critérios rapidamente, dizem logo que apresentam vários deles e perguntaram se têm TDAH. É importante ressaltar que é bem possível que alguns desses sintomas estejam presentes em menor ou maior intensidade em várias pessoas, sem causar grandes prejuízos em nenhuma área específica de sua vida. Entretanto, para o diagnóstico do TDAH, é necessário ter também algumas outras características: é provável que qualquer pessoa fique desatenta ao assistir a aulas sobre um assunto que nunca ouviu falar ou tem dificuldade de entender. A pessoa com TDAH não consegue focar a atenção mesmo quando está familiarizada com o assunto.

Nem toda desatenção, impulsividade e hiperatividade significa ser TDAH. Algumas pessoas podem ter esses sintomas de vez em quando, mas quando eles acontecem constantemente, prejudicando o dia-a-dia, é que podemos falar de um transtorno. Para o diagnóstico, os sintomas devem gerar comprometimento significativo em pelo menos dois contextos diferentes, além de não serem mais bem explicados por outro transtorno mental; pelo menos seis dos sintomas de desatenção e/ou hiperatividade devem estar presentes; e a duração dos sintomas, a frequência e intensidade devem ser consideradas.

Normalmente as crianças apresentam comportamentos hiperativos por natureza, pois estão numa fase de exploração psicomotora, desenvolvimento e conhecimento corporal! Mas ser portador de um transtorno não tem a ver com comportamentos e sim com alterações neurológicas, psíquicas e sociais, perturbação, angústia, sofrimento e grande dificuldade na escola e família.

Fiquem atentos! E até a próxima…

 

 

Referências e algumas sugestões para leitura adicional:

RUSSELL, A. Barkley (org), ANASTOPOULOS, Arthur D. (et al). Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade – Manual para diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed, 2008.

ARGOLLO, Nayara. Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade: aspectos neuropsicológicos. Psicologia Escolar e Educacional, 2003, Volume 7, Número 2, 197-201.

BARKLEY, R. Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH): guia completo e autorizado para pais, professores e profissionais da saúde. Porto Alegre: Artmed, 2002.

Organização Mundial da Saúde. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Tradução Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

DSM-IV-TR. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.

NETO, Mario Rodrigues Louzã. TDAH ao longo da vida – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Porto Alegre: Artmed, 2009.

ROHDE, L. A.; BENCZIK, E. Transtorno de déficit de atenção hiperatividade: o que é? Como ajudar? Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

SILVA, Ana Beatriz B. Mentes inquietas – Entendendo melhor o mundo das pessoas distraídas, impulsivas e hiperativas. São Paulo: Editora Gente, 2003.

Sobre Lilian Britto

Graduada em Psicologia pela Universidade Salvador – UNIFACS e pós-graduada em Psicologia Analítica pela Psiquê - Centro de Estudos C. G. Jung, atua como psicóloga clínica com crianças e adolescentes. Além de coordenadora de cursos da Clínica Psiquê, presta trabalho voluntário na Fundação Lar Harmonia junto a crianças carentes. Apesar de ainda não ser mamãe, é apaixonada por crianças e, por isso, dedicou e dedica a sua formação profissional nesse fantástico mundo infantil.