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Convidada: Fonoaudióloga Joana Nagaoka
IMG_1494Mini-bio: Joana Mantovani Nagaoka, fonoaudióloga com especialização e mestrado em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP, mãe do Enzo e da Luiza.

Veja também o post sobre o desenvolvimento da linguagem no primeiro ano de vida.

O primeiro aninho chegou e, com ele, as primeiras palavrinhas vêm surgindo e alegrando a família. Por volta dos 18 meses da criança, seu vocabulário já pode estar em por volta de 50 palavras. É claro que é sempre bom ressaltar que existem variações de criança para criança, determinadas por questões genéticas e ambientais. O mais importante é perceber se a criança já tem a intenção de se expressar e tenta fazê-lo das maneiras que já lhe são possíveis, além de perceber seus comportamentos receptivos,  por exemplo, como reage e responde aos sons ambientais e de fala à sua volta. Na dúvida, é sempre bom conversar com o pediatra da criança ou até mesmo procurar a avaliação de uma fonoaudióloga.

Pois bem, o vocabulário da criança vai aumentando de forma evidente a partir dos 18 meses. Nessa fase, em que a criança está começando a usar seus órgãos fonorticulatórios com função de fala, são comuns as trocas de sons e até mesmo a omissão de sílabas nas palavras, sendo super comum a fala da criança ser melhor compreendida por quem convive mais com ela!!!

Entre o início da fala e os 6 anos da criança, entretanto, ela começa a produzir novos sons que ainda não produzia, melhorando a inteligibilidade de sua fala.

A tendência é dominar primeiro os sons cuja produção é mais simples e mais facilmente visualizada, como por exemplo os sons P, B, M, enquanto alguns sons mais complexos do ponto de vista articulatório, como os encontros consonantais e o som do L e do R (como em ‘barata’), podem ser adquiridos apenas entre 4 e 6 anos, normalmente sendo omitidos ou simplificados (barata pode ser emitido como “baata” ou “baiata” ).

Pesquisas têm mostrado quais são as “trocas” ou tipos de erros mais comuns durante a aquisição da fala, o que ajuda a saber o que é “esperado” durante esse processo e o que deve chamar nossa atenção para uma possível dificuldade da criança. Uma pesquisadora brasileira observou que a tendência é que crianças falantes do português brasileiro deixem de cometer erros dos seguintes tipos descritos, entre os 2 e os 6 anos de idade,  geralmente nessa ordem:

  1. trocas de sons de P, B, T, D por  sons de Q, G e vice-versa (exemplos: tênis vira quênis, ou casa vira tasa);
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  2. trocas de sons de  P, B (sons orais) por som de M (som nasal) e de sons de T, D (sons orais) por sons de N (som nasal) e vice-versa, em palavras que contenham os dois tipos de sons concomitantemente (exemplos: o pepino da Bruninha que vira memino);
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  3. trocas de sons produzidos com fluxo contínuo de ar, ou seja, que podem ser prolongados (sons de F, V, S, Z, X, J) por sons que saem em uma explosão (sons de P, B, T, D, Q, G), por exemplo: sapo que vira tapo, faca que vira paca;
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  4. redução de sílaba (sapato vira pato, garrafa vira rafa);
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  5. trocas de sons de  X, J por S, Z e vice-versa (exemplo: chave  vira save ou sapo vira xapo, jarra vira zarra ou zebra vira gebra);
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  6. substituição de sons de L e de R como em BARATA por som de I (exemplos: cola vira cóia, barata vira baiata);
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  7. eliminação de consoantes no final da sílaba (exemplos: escola vira ecola ou pista vira pita);
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  8. e por último, a criança deixa de cometer erros de simplificação de encontro consonantal, ou seja, ela deixa de omitir o som do L e do R nos encontros, como por exemplo: prato vira pato, blusa vira busa.

A mesma pesquisadora brasileira descreveu que aos 3 anos, as crianças falantes do português já produzem com mais de 75% de acerto os sons simples de P, B, T, D, Q, G, F, V, S, Z, X, J, L, R, M, N, NH;  aos 4 anos, os sons de LH e o som do S no final da sílaba, enquanto o som de R no final da sílaba é produzido corretamente por esse percentual de crianças apenas por volta de 5 anos e meio; os encontros consonantais com R são produzidos corretamente entre 4 e 5 anos, enquanto os encontros com L o são entre 4 e 6 anos e meio.

 É com o aumento do vocabulário que o sistema linguístico da criança vai percebendo melhor os sons e melhorando seu inventário fonológico, ou seja, quanto mais palavras a criança conhece, maior é a tendência de perceber as diferenças entre os sons e começar a tentar produzir essa diferença em sua fala, adquirindo novos fonemas.

18 MESES

Assim, por volta dos 18 meses, apesar de a criança ainda não produzir as palavras corretamente do ponto de vista dos sons da língua, seu vocabulário cresce vertiginosamente, e ela começa a fazer justaposições simples de palavras, por exemplo “papato mamãe” (sapato da mamãe), “qué papá”, para se expressar… Mais uma vez, é importante ressaltar que a estimulação que a criança recebe em casa vai influenciar muito seu comportamento expressivo. Continue narrando pra seu filho (a) o que está fazendo; reforce positivamente com comentários e sorrisos suas expressões (a criança apontou e disse: “carro” – ou expressão semelhante, mas q vc entendeu que ela estava nomeando o carro – diga a ela que ela está certa, é um carro grande e azul, sorria! Assim, ela se sentirá encorajada a te agradar novamente!!!); outra dica legal é, quando houver uma troca de som, por exemplo, falar “papato” para Sapato, olhe para seu filho e garanta que ele também está te olhando e diga: “Isso, filho, é o sssssapato!”, prolongando o som do S que foi trocado… por ser um som de produção mais complexa que o P, é comum a criança antecipar o som que é mais fácil dentro da palavra, mas a sua pista de prolongar esse som aos poucos vai sendo percebida auditivamente pela criança e a tendência é ela começar a tentar a produzi-lo num outro momento… e vc não chegou a repreendê-la pelo “erro”, apenas devolveu a ela o modelo correto!

2 ANOS

A partir dos dois anos, o desenvolvimento das habilidades de comunicação verbal é ainda mais evidente. As crianças nessa fase adoram ouvir histórias e pedem para que a mesma história seja contada inúmeras vezes… elas também aprendem significados opostos, por exemplo, grande x pequeno, dentro x fora, em cima x embaixo. A compreensão de frases mais longas também melhora consideravelmente. Quanto à fala, o vocabulário continua crescendo assustadoramente… lembro que com meu filho, que fará 3 anos no próximo mês, isso foi muito evidente! Eu como mamãe fono que sou, fazia listas com as palavras que ele já falava… aos 18 meses, elas cabiam em meia página… depois de completar dois anos, eu já não mais conseguia manter a lista atualizada, porque logo ele já conhecia mais palavras e as usava com mais habilidade em sua comunicação. Com o aumento do vocabulário, as justaposições vão dando espaço ao surgimento das primeiras frases, já que, aos poucos, a criança começa a usar artigos, pronomes, preposições, e as frases soam mais completas e compreensíveis. Por exemplo, o “qué papá” passa a “nenem qué papá” ou “eu qué papá”. A criança também já consegue produzir mais sons da língua e empregá-los dentro das palavras, o que torna sua fala mais facilmente compreendida. Com o início das frases, a criança vai dominado também o uso dos verbos e é bem comum nessa fase ocorreram o que é chamado de regularizações, ou seja, verbos cuja conjugação foge do padrão regular da língua são regularizados pela criança… assim, é comum ouvirmos a criança falar frases como “eu fazi, mamãe”, ou o “o carro cabeu na caixa”. Hahaha! Faz parte do desenvolvimento e quando essas trocas acontecem, é importante devolvermos para a criança o padrão correto, de forma natural, como por exemplo “Eu fiz, filho?! Você fez?! Muito bem!”

3 ANOS

A partir dos 3 anos, a criança já é capaz de narrar fatos ocorridos na escola, por exemplo, coordenando frases, que agora também são mais longas (por volta de 4 ou mais palavras). Sua fala também passa a ser mais facilmente compreendida até mesmo por adultos que não convivem frequentemente com a criança. Só para exemplificar, meu filhote trombou com um amiguinho na escola essa semana, bateu com a testa no chão e ganhou um enorme galo… quando cheguei na escola, ele me contou: “O Gabiel me empurrou e eu caí… bati a minha téta no chão e fiz dodói”, quando perguntei o que aconteceu depois disso, ele respondeu: “a tia pôs gelo muito gelado na minha téta… e o Gabiel pediu diculpa… foi sem queiê, mamãe.” Fofo demais, não?!

4 ANOS

Dos 4 anos em diante, a linguagem da criança vai ficando ainda mais refinada… ela já é capaz de ouvir histórias e responder perguntas sobre estas, compreende muito do que é dito em casa ou na escola, e suas narrativas ficam cada vez mais fluentes e coesas. Suas frases podem ser ricas em detalhes e, como descrito anteriormente, já dominam a maioria dos sons da língua. As habilidades de percepção e análise dos sons da língua ficam mais perceptíveis, elas começam a perceber e brincar com rimas, mais para frente ganham noção do número de sílabas dentro de uma palavra, para, futuramente, iniciarem a percepção e a habilidade de manipular fonemas dentro das palavras. O desenvolvimento dessas habilidades, chamadas de consciência fonológica, é muito importante durante a alfabetização, quando a criança vai começar a associar as letras, que são símbolos gráficos, com os sons que estas representam.

Mais uma vez, vale sempre lembrar que a família tem papel importantíssimo durante todo esse processo. A criança tende a reproduzir o vocabulário e a estruturação gramatical à qual é exposta rotineiramente, assim, um português bem falado perto e com a criança fará com que ela aprenda desde cedo a usar o plural, a concordar o verbo com o sujeito, a usar mais conjunções. Então, é importante não usar uma fala excessivamente infantilizada com a criança… é totalmente possível falar de maneira carinhosa com a criança, sem ter que imitar os errinhos típicos dessa fase de aquisição e desenvolvimento da fala, usando com ela a mesma estrutura gramatical que usamos com os adultos… é claro que, dependendo da idade da criança, precisamos simplificar a estrutura, ou seja, trocar um discurso longo por frases mais curtas, porém, gramaticalmente corretas, sempre dando à criança o padrão de fala correto. Da mesma maneira, questões culturais também se refletirão em sua fala, como sotaques e expressões típicas da região onde a criança está crescendo, gírias, mostrando que a fala tem o importante papel de refletir as origens do indivíduo. Então, cuidado com o que é falado perto da criança! Se palavrões ou palavras de baixo calão são falados frequentemente perto de seu filho (a), ele (a) vai, sim, reproduzir esse padrão em sua fala…

Em qualquer momento de todo esse processo de aprendizagem da fala, surgir alguma dúvida, não hesite em procurar a opinião de seu pediatra de confiança ou buscar a avaliação de um fonoaudiólogo, que é o profissional habilitado para avaliar, diagnosticar e tratar os distúrbios de fala.

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Fontes:

– Site da American Speech-Language-Hearing Association – http://www.asha.org/public/speech/development

– Limongi, SCO – Fonoaudiologia Informação para a Formação – Linguagem: desenvolvimento normal, alterações e distúrbios. Ed. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2003.

*esse post teve seu título alterado em 14/jul/2016 (A Comunicação e a aquisição da fala nos primeiros anos de vida da criança. Por Joana Nagaoka)

Sobre Aninha

Mãe de um trio de meninas: Bruna (6), Clara (4) e Alice (2). Dedico meu tempo à minha família e ao LookBebê. Antenada, adoro redes sociais e tecnologia e mais ainda, compartilhar conhecimento e informações sobre a maternidade. Sou (fui) Biomédica, pós-graduada em Engenharia Biomédica, mas optei por mergulhar de cabeça na maternidade.